Precisamos falar sobre a preguiça e o cansaço em flertar
O vazio das pseudo relações modernas e a modernidade líquida anunciada por Bauman
Amigue, senta aqui e vamos conversar.
Se você está em um relacionamento estável (e espero que saudável), pode pular o texto. Mas se você passa pela insalubridade de ser uma mulher solteira em pleno século 21, pega um chá ou um drink ou um café e senta aqui comigo.
Já menciono aqui que foquei em mulheres pois é a minha realidade e lugar de fala, mas se você se identifica, adapta esse papo aqui para o seu gênero e seguimos em frente.
Aliás, “seguir em frente” é o que a liquidez das relações humanas tem nos pedido. E se não formos teimosas, esse conceito também tem nos exigido muita frieza emocional.
Cá entre nós: O que está acontecendo com as relações atuais?
Bauman já havia previsto com a modernidade líquida o quanto tudo passaria a ser descartável e efêmero, mas eu acho que a nossa humanidade tóxica atingiu níveis estratosféricos de relações líquidas.
Eu não sei você, mas eu simplesmente pendurei as chuteiras e prefiro passar o meu final de semana mimando a morena, aka, eu mesma, do que em um bar flertando com um desconhecido que no dia seguinte será apenas um borrão.
Não é que eu tenha desistido do amor, afinal metade da minha renda vem através da fé no amor e nas histórias mágicas e românticas, mas na vida real não é tão simples quanto aquela história lindamente caótica que passamos para o papel e lemos com um sorriso no rosto.
Eu desenvolvi preguiça crônica de flertar, e olha que minha Vênus em Gêmeos me traz licença poética para flertar até sem querer. Mas sabe quando já não dá mais? Gastamos energia, tempo e idealizações, para depois de algumas semanas, a conversa evaporar e sobrar apenas o like. Ou nem isso.
Ah sim, chegamos em um ponto importante. O Like! Cara, como pode? Ninguém mais quer aprofundar relações, apenas likes e reactions para alimentar o ego, uma troca de papo e flerte para não enferrujar, e tchau. Próxima ou próximo da lista, afinal, a demanda é alta e o catálogo exposto nas redes sociais, é farto. E o tempo, nosso bem tão precioso, é curto!
Puxando uma metáfora com a liquidez das relações, é como se depois de escolher diversas opções no catálogo, alguma pseudo relação entra em combustão e entre papo vai, papo vem, likes e reactions, de repente passa do ponto e aquela água ferve tanto que evapora. Próximo do catálogo. E assim se repete.
Às vezes o like até “converte” em um date, um almoço, um jantar, uns beijos e alguma noitada, mas aí como mágica, puf. Esfria e segue o jogo. Hora de caçar mais um like e repetir, até estar satisfeito do banquete e ir procurar por mais. Um drink após o outro, como degustação de relações. Nunca estamos satisfeitos, sedentos por mais encontros e trocas vazias. Talvez todos estejam a procura do amor? Ou apenas de saciar seus desejos mais primitivos?
A sensação que tenho é de que vivemos correndo contra o tempo, comparando opções, fazendo test-drive para sanar desejos, e substituir pelo modelo mais novo ou mais potente. Que em seguida já é substituído, obviamente.
Não temos tempo de aprofundar relações, conhecer as dualidades, o lado sombra e o lado luz de alguém, saber mais sobre sua história e seus gostos. É apenas aparência, urgência e descarte.
Triste, né? É exaustivo ver onde chegamos com essa competição insana de quem é mais desapegado ou coleciona mais amores. Aliás, pseudo amores, naufragados em um mar de aparências e mentiras.
Há alguns domingos estava conversando com a minha avó e enquanto ela me contava, pela milésima vez, sobre como conheceu o meu avô, eu sorria por saber que esse tipo de amor já existiu. Cada vez que ela conta a história dos dois, tem uma nova camada que só torna tudo ainda mais envolvente, tal qual um romance clichê que faz com que viremos a noite para saber o que acontecerá – mesmo sabendo que o final será feliz, é como se tivéssemos urgência em comprovar que isso ainda é possível.
Enfim, prometi para ela que ainda escreverei sobre o amor deles, usando as cartas trocadas e as memórias compartilhadas. E aí, me peguei em um momento de desânimo, por perceber que aquele amor ali que era tão raro, mas não tanto quanto hoje em dia, agora entrou em extinção.
“Ai Luana, que negativa para uma escritora de romances”.
Não, calma. Eu sei que ainda existe nesse mundo, várias mentes e corações que pensam da mesma forma, mas até o universo proporcionar tais encontros mágicos, sigo com preguiça de entrar no jogo de desinteresse que virou a nossa modernidade líquida.
Às vezes, é mais sobre ser realista do que negativa, é sobre apreciar a nossa própria companhia e gastar nossa energia em lapidarmos quem somos. Vai que por aí também exista alguém que procura por nós? Alguém que queira profundidade e não superficialidade, afinal, quem queira por querer, tem uma fila.
A real é que não basta apenas “querer”, na forma mais superficial do verbo, tem que Querer. De verdade, além da carne.
Enquanto isso, coração segue em reparo até que um feitiço poderoso como o AMOR, em letras garrafais mesmo, chegue para ficar e não tenha medo de mergulhar nas profundezas que é o universo particular de nossas almas.
*Fui cruel e mergulhei nas profundezas com esse texto, né? Mas a verdade nua e crua tem que ser assim mesmo, ir fundo na ferida e fazer sangrar para a encararmos e tratarmos. Enfim, se você também se identificou, a boa notícia é que: Ainda existem mais pessoas como nós por aí, e quem sabe nos esbarremos por aí, vivendo nosso próprio clichê da vida real.
Texto sempre ótimo e afiado. 💛💜